Antes de falar de catequese e Bíblia, parece interessante retroceder àquele sentido originário que a Bíblia nos consigna, referente ao significado de “palavra”. Mais do que Bíblia, que enfoca o aspecto literário (literatura bíblica, o conjunto de livros bíblicos) nos parece melhor recordar um tema anterior ainda à palavra escrita, anterior à palavra bíblica. O tema é palavra, palavra de Deus e catequese. Na cultura médio-oriental antiga, o fenômeno humano de palavra, de falar, a comunicabilidade não era apenas um enunciado de ideias, onde um fala e o outro responde, como se se tratasse de troca de ideias. Não era isso.
A palavra também não era apenas um vocábulo para referir-se a uma realidade qualquer, um objeto como caneta, por exemplo, ou ao clima, à chuva, o sol e assim por diante. Não, não é isso. Na tradição bíblica, palavra é pessoa.
Algo parecido como um jovem que escreve uma carta para sua amada. Quando ela recebe e ela olha para aquele texto, sorri, lê outra vez e, ao final, ela toma aquele texto, dá um beijo na carta. Ela beijou o papel? Beijou letras desenhadas?
Ou beijou a pessoa que escreveu? Claro, beijou a pessoa que escreveu. A ternura de quem escreveu (o rapaz) se tornou letra e quem acolheu aquela letra (a moça) ao acolher a letra, na realidade, abraçou a pessoa. Ao beijar o papel, ela se dirige à pessoa que lhe escreveu. A ternura de um se tornou letra e quem acolhe a letra na realidade quer acolher a pessoa.
Algo semelhante se pode falar da palavra de Deus. A ternura de Deus se tornou letra. Essa experiência atravessou os séculos. Aliás, na tradição bíblica, para falar de experiência se usa um termo “dabar” que significa algo vivido, experimentado, internalizado. Para falar de palavra (grafia ou oralização), também se usa o termo “dabar”. A palavra pronuncia uma vivência. Pois bem, é possível, então, dar um novo passo. Falamos de palavra escrita. Mas, o mesmo pode ser percebido quando uma pessoa se dirige a outra. No tempo de Jesus, quando uma pessoa fala e a outra ouve, é como se saísse de si para viver na existência, fazer parte da existência de quem ouve. E quem ouve é como se abrisse a inteireza de si mesmo não para acolher unicamente a voz, os termos usados e as ideias formuladas, porém é como um acolhimento da pessoa que fala. Palavra é comunhão neste caso.
Quando os discípulos de hoje (catequistas) tomam para si, por exemplo, o texto da multiplicação dos pães. Quem lê, não apenas lê referências de um fato antigo, a multiplicação dos pães, mas participa daquela entrega. O Senhor sentiu compaixão e chamou os discípulos, deu-lhes o pão e eles davam à multidão. Eu posso participar daquela densidade de mistério, de encontro entre o filho de Deus, Jesus Cristo, e uma multidão que dele precisava. Isto acontece porque esta palavra é densa da ternura de Deus, lembra? É uma palavra viva, não é apenas uma biografia de fatos passados. É um conjunto ou história da ternura do Senhor Jesus por seu povo que continua viva (essa ternura) porque tem “palavra”. Saiu da letra de quem escreveu e se torna palavra que passa a existir na vida de quem acolhe.
Da mesma maneira uma parábola, um gesto de Jesus que está a perdoar. Outrora perdoou no passado e ele continua a perdoar agora. Então, qual é o lugar da palavra na catequese? Se catequese fosse apenas transmitir um conjunto de doutrinas, então poderíamos falar das ideias de Jesus, dos pensamentos de Jesus e quem quisesse concordar com suas ideias e seus pensamentos, poderia então estudar aqueles pensamentos doutrinais e esse conteúdo passaria a fazer parte do seu conjunto de conhecimentos. Então, a Bíblia, nesse caso, é apenas livro, quando utilizada para transmitir um conjunto de ideias, mas se é palavra, então a coisa é diferente. Portanto quem acolhe a Bíblia hoje, a palavra bíblica, não apenas está voltado a ter informações sobre o que Jesus fez e falou. A catequese aí é eco da palavra, é para que aquele que ouve possa também amar e ter relações de comunhão com a pessoa de Jesus Cristo.
Acontece então, queridos catequistas, que se nós catequizadores ou evangelizadores na catequese não tivermos intimidade com esta palavra, podemos até fazer discursos religiosos para os nossos catequizandos, mas não necessariamente estaríamos a apresentar uma pessoa.
Os catequizandos têm “radar”. Eles percebem quando o nosso falar sobre Jesus é algo que falamos porque estudamos, ou é uma experiência integrada de intimidade com a palavra.
A nossa transmissão (catequese significa transmitir) seria apresentar uma
pessoa ao catequizando. Se for apenas conhecer as informações sobre Jesus, então não se transmite uma pessoa, seria apenas informar sobre as ideias acerca de quem estamos falando. Bíblia e catequese começam onde, então? No diálogo do catequista com a palavra.
Queridos catequistas, não esqueçam nunca, se quiserem preparar a catequese, o encontro catequético, comece pela leitura orante da palavra, daquela palavra que será apresentada no encontro catequético, não apenas para estudar. O bom discípulo não ama Jesus Cristo porque o estuda, mas se o amar, vai estudar sobre ele, vai desejar conhece-lo mais. Quem ama deseja saber mais sobre a pessoa amada.
Não se trata então de teorias e pedagogias apenas, não se trata apenas de metodologia. Aliás, quando temos intimidade com o Senhor, a criatividade surge, quando falta intimidade até a criatividade se torna um esforço muito exigente e não necessariamente gratificante.
O que recomendamos, pois, seria primeiro começar pela sua espiritualidade pessoal. É nesse caminho que devemos seguir, habituando-se à leitura orante da palavra sobre aqueles temas que serão apresentados no encontro catequético.
Em segundo lugar, no encontro catequético, deve-se revelar profunda afinidade, com sinais explícitos, mostrar encantos pela verdade aqui presente. Não é apenas um livro a abrir, mas uma palavra a acariciar e, até mesmo, a beijar. Que os catequizandos percebam nos seus catequistas aquela paixão que suscita expressões de afeto pela pessoa de Jesus Cristo.
Em terceiro lugar, que nos encontros catequéticos, a palavra inspire as reações e relações, não simplesmente usando a Bíblia na hora que precisa confirmar algumas ideias existentes no roteiro catequético. Use mais a palavra, vá ao roteiro por razões didáticas, sim, mas que não seja o roteiro a principal referência. Se fizer uma boa leitura orante, o encontro catequético será inspirado e inspirador, levando o roteiro a ser menos necessário.
Sinta-se livre para continuar com os catequizandos aqueles temas mencionados no roteiro, mas que a grande inspiração seja a inspiração bíblica. É uma maneira de fugir daqueles esquemas muito “escolarescos” de catequese, como se fosse uma escola, como se se tratasse de aula de catequese ou de ensinar catecismo. É claro que há a parte doutrinal que não pode faltar. Sem doutrina até mesmo a Bíblia poderia ser instrumentalizada. Então é preciso cuidado. Todavia, que seja ela a unificar as inspirações e comportamentos e então, aí sim, quando se conhece a pessoa de Jesus Cristo e também as regras desta amizade com ele, a doutrina encontra seu lugar, sua projeção e sua expressão decisiva dentro dos encontro de catequese.
Com facilidade, encontramos contestações ao uso da palavra, porque parece mais necessário que os esquemas doutrinais tenham a grande proeminência, ou seja, eu ensino a doutrina e vou até a palavra para confirmar. Não foi assim que os primeiros cristãos evangelizaram.
O período mais fecundo, mais fértil e mais criativo de evangelização da
história da Igreja foi aquele dos primeiros séculos, e lá, o que é que faziam? Primeiro, aquele anúncio querigmático, o amor de Deus revelado em Jesus Cristo. E como o faziam? Narravam palavras, eventos, reações e expressões de afeto da parte do Senhor Jesus por aqueles que encontrava. E quem falava o fazia movido pela amizade com Jesus e pela força do Espírito Santo. Quem ouvia, ouvia movido pela força do mesmo Espírito.
Aquela catequese querigmática de Pedro, lá em Atos dos Apóstolos Capítulo 2, pleno do Espírito Santo quando se pôs ele a falar, o que foi? Foi uma grande catequese. Falou alto. Até o evangelista Lucas relata que, pondo-se em pé, Pedro falou em alta voz. Por-se em pé dá impressão que se trata de alguém sentado que se levantou. O verbo grego empregado pelo Evangelista Lucas, que o redigiu, não é um movimento físico, é uma posição de segurança de quem fala com paixão. E esse “falou em alta voz” não é o volume do som com que ele falou, não, longe disso.
Em Atos dos Apóstolos, Capítulo 2, Versículo 14, está escrito: “Pedro então pondo-se de pé levantou a voz, e assim lhes falou”. Ele começou aí sua catequese querigmática. Quando o evangelista Lucas fala que Pedro levantou a voz, não é o volume que ele quer acentuar, mas é a convicção apaixonada com que falou. Os que ouviam e compreenderam em suas línguas, que aderiram, não foi porque Pedro foi convincente em seus argumentos, pois quem é que vai se convencer de que um crucificado havia ressuscitado através de simples argumentos? Os crucificados naquele tempo eram os que tinham cometidos os mais ignóbeis dos crimes. Eram rejeitados pela cultura, envergonhados e tidos por malditos, segundo a religiosidade judaica.
Como dizer para aqueles judeus que alguém com destino dos malditos é o filho de Deus, um Salvador e Messias? Por meio de argumentos? Ora o que foi que houve lá? Pedro falou com paixão e os que o ouviam, também neles agia o Espírito de Deus. Foi uma catequese bíblica por excelência e ocorreram muitas conversões a partir daquela experiência.
Catequista, se faltar a Bíblia na catequese, é como se você quisesse abraçar alguém sem sentir afetos, não comunica nada.
(Transcrição de vídeo de autoria de Dom José Antonio Peruzzo, arcebispo de Curitiba-PR e presidente da Comissão Bíblico-Catequética da CNBB, fala sobre a Sagrada Escritura na Catequese.)